O Superior Tribunal de Justiça, afetou em 09/10/2020 os Recursos Especiais 1.845.943 e 1.867.199, ambos com origem no Tribunal de Justiça de São Paulo, como recursos representativo de controvérsia, sendo registrado como Tema Repetitivo nº 1068, submetendo à Segunda Seção do Tribunal a seguinte questão: “Definir a legalidade da cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez funcional permanente total por doença (IFPD) em contrato de seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento da indenização securitária à perda da existência independente do segurado”.

Após praticamente um ano aguardando julgamento, em 13/10/2021, o tema foi julgado e, por unanimidade, nos termos do voto relator, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, foi firmada a seguinte tese: “Não é ilegal ou abusiva a cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez funcional permanente total por doença (IFPD) em contrato de seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento da indenização securitária à perda da existência independente do segurado, comprovada por declaração médica”.

O Tema 1068, cadastrado no STJ como ramo de Direito do Consumidor, além da definição da tese, seu núcleo decisório traz importantes fundamentos para melhor compreensão da tese firmada, na medida em que trata-se de tema relacionado ao contrato de seguro e ao direito do consumidor, assim, a concepção da tese firmada merece algumas breves considerações extraídas do voto do Ministro Relator.

O primeiro aspecto diz respeito à observância ao princípio da deferência pelo STJ em relação à circular nº 302/2005 da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, e respectivas notas de esclarecimentos, ao mencionar as novas conceituações para invalidez por doença (laborativa e funcional), ou seja, a decisão judicial observou bem as considerações de ordem técnica da revisão administrativa da SUSEP, em seu poder de fiscalização e normatização do setor.

Outro aspecto importante no voto é a menção no sentido de que “(...) a cobertura IFPD não é incompatível com a legislação consumerista”, ao fundamento de que “(...) embora a cobertura IFPD (invalidez funcional) seja mais restritiva que a cobertura ILPD (invalidez profissional ou laboral), não há falar em sua abusividade ou ilegalidade, tampouco em ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e da equidade, não se constatando também nenhuma vantagem exagerada da seguradora em detrimento do consumidor”. Nesse ponto, denota-se a exata medida do julgamento, já que o tema foi cadastrado como sendo de Direito Consumidor, enfrentando pontos sensíveis nas relações e consumo, sendo a boa-fé, abusividade de cláusula contratual e vantagem exagerada do fornecedor em detrimento ao consumidor devidamente analisadas dentro da conjuntura do contrato de seguro.

No contexto dos precedentes, o voto menciona que o tema julgado já vinha sendo discutido e amadurecido já há algum tempo na Terceira e Quarta Turmas, mencionado que, desde 2014, os julgados são favoráveis à construção da tese firmada no presente tema repetitivo, exemplificando com a exposição de precedentes em diversos recursos especiais, inclusive na visão de outros Ministros Relatores.

No que tange a aposentadoria por invalidez pelo INSS, muito embora já exista jurisprudência firme do próprio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a incapacidade para fins previdenciários não se confunde com a incapacidade para receber indenização de seguro privado, esse argumento fixa-se com mais robustez por meio da presente decisão ao mencionar, dentre outros argumentos, que “o reconhecimento da invalidez pelo INSS não dá ao segurado o direito de receber a indenização referente ao seguro de pessoas, pois a prova, além de ser relativa, utiliza-se de critérios distintos daqueles que a seguradora precisa para apurar a incapacidade garantida na apólice contratada, devendo haver a realização de perícia médica específica”.

Ainda, na tese firmada, ao sedimentar o entendimento que já vinha sendo proferido em decisões precedentes, também  menciona que, para fins de caracterização da IFPD, é essencial “(...) no sentido de que o reconhecimento por parte do órgão previdenciário oficial de que o segurado faz jus à aposentadoria por incapacidade laboral não o exonera de fazer a demonstração de que efetivamente se encontra inválido, total, funcional ou parcialmente, para fins de percepção da indenização fundada em contrato de seguro privado”. Assim, é de rigor a produção de prova pericial, sob pena de cerceamento de defesa.


Marco Yamada
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