O adimplemento substancial é uma criação doutrinária, sem expressa previsão legal, pela qual um contrato pode ser entendido como concluído mesmo que não tenha todas suas exigências devidamente finalizadas. Tal teoria se baseia em princípios gerais dos contratos e do direito civil como um todo, em especial a boa-fé objetiva, a função social do contrato, a vedação ao enriquecimento sem causa e ao abuso de direito.

É famoso o exemplo de uma hipotética situação na qual uma casa é construída e entregue praticamente finalizada, faltando apenas maçanetas em duas das portas. Tendo em vista a insignificância dos objetos faltantes diante a obra como um todo, aplica-se a teoria do adimplemento substancial, o que implica na impossibilidade de revogação do contrato e permite apenas a cobrança ou abatimento do preço dos objetos faltantes.

Nas cortes norte-americanas, tal situação se mostra mais presente em contratos sobre construção civil. Casos como Thomas Haverty Co. v. Jones (1921), Plante v. Jacobs (1960) e Kreyer v. Driscoll (1968) são exemplos de situações onde pequenas divergências na execução da obra resultam no adimplemento do contrato, tendo em vista o cumprimento de grande parte do acordado.

Por sua vez, no Brasil tal teoria possui incidência em contratos parcelados das mais variadas naturezas, sendo que, no entanto, a jurisprudência pátria ainda não se encontra consolidada – mesmo com o entendimento de que tal teoria seja aplicável, as particularidades de cada caso tornam complexa a existência de jurisprudência pacificada. Conforme o REsp nº 1.581.505-SC, seriam requisitos para sua aplicação: "a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários.".

Não obstante o reconhecimento da aplicabilidade de tal teoria pelo judiciário pátrio, percebe-se a existência de uma importante exceção, conforme entendimento proferido no REsp 1.622.555. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso mencionado, entende que tal tese não é aplicável a contratos de alienação fiduciária, permitindo o ajuizamento e prosseguimento de ações de busca e apreensão.

O voto proferido foi incisivo ao destacar que “a aplicação da teoria do adimplemento substancial, para obstar a utilização da ação de busca e apreensão, nesse contexto, é um incentivo ao inadimplemento das últimas parcelas contratuais”. Assim, tal decisão pontua claramente pela excepcionalidade de tal teoria, mencionando que a especialidade da legislação em regência (Decreto-lei nº 911/69), bem como a segurança jurídica dos contratos, entre outros motivos, permitem a busca e apreensão de bens alienados fiduciariamente.

Renato Sobhie Zambonatto
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