O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de pontos da Lei 13.103/2015, conhecida como “Lei dos Motoristas” ou “Lei dos Caminhoneiros”. A decisão foi fundamentada em razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social.

Em julho de 2023, o STF, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5322, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes (CNTT), declarou inconstitucionais diversos dispositivos da lei, argumentando que sua flexibilização diminuía a proteção de direitos sociais essenciais. A decisão afetava aspectos como a jornada de trabalho, pausas para descanso e o repouso semanal dos motoristas profissionais, temas intimamente ligados à dignidade e à saúde dos trabalhadores.

À época, mesmo com pedido do Congresso Nacional, o STF não modulou os efeitos da decisão, reconhecendo a inconstitucionalidade desde 2015, o que a tornava aplicável de forma retroativa, gerando grande preocupação no setor de transporte rodoviário, um dos maiores impulsionadores do PIB (Produto Interno Bruto), conforme dados do IBGE, obtidos por meio da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), a qual mede o desempenho do setor de serviços no Brasil.

Vale destacar que as decisões proferidas pelo Supremo em controle concentrado de constitucionalidade têm, como regra, efeito retroativo, aplicando-se também ao passado. A modulação dos efeitos, por outro lado, é um mecanismo excepcional, utilizado apenas em situações específicas, quando se reconhecem razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, e precisa ser aprovada por dois terços dos membros da Suprema Corte, o que equivale ao voto favorável de 8 dos 11 ministros.

Segundo o Boletim de Conjuntura da Confederação Nacional do Transporte (CNT), o setor gerou 86.640 novos postos de trabalho em 2023, um crescimento importante em relação aos anos anteriores, com 3.639 novas vagas a mais que em 2022 e 5.893 a mais que em 2021, sendo responsável por 65% da movimentação de cargas e 95% do transporte de passageiros no Brasil, de acordo com a Pesquisa CNT de Rodovias 2023, elaborada pela CNT. No entanto, o setor se viu diante de um iminente colapso, pois o impacto da decisão retroativa geraria um passivo trabalhista de grande magnitude, estimado em mais de R$ 255 bilhões, além de um impacto futuro de R$ 160 bilhões necessários para a expansão da frota e novas contratações.

Diante desse cenário, em agosto de 2024, o STF foi novamente provocado a se manifestar por meio de recurso de Embargos de Declaração apresentados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), pela CNT e pela CNTT. Embora os Embargos da CNI e da CNT não tenham sido conhecidos, por falta de legitimidade recursal, o Supremo acolheu parcialmente o recurso da CNTT, reconhecendo a autonomia das negociações coletivas e modulando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, atribuindo-lhes efeitos prospectivos a partir da publicação da ata do julgamento da ADI.

Com isso, a Suprema Corte decidiu que as mudanças terão validade a partir de 12 de julho de 2023, e não mais desde 2015, o que mitiga os efeitos retroativos e evita a criação de um passivo trabalhista insustentável, equilibrando a decisão entre a necessidade de proteger os direitos dos trabalhadores e a manutenção da viabilidade econômica do setor de transporte rodoviário, que desempenha um papel vital na economia do país.

Acertada também a consagração ao princípio da supremacia das convenções e acordos coletivos de trabalho. Ao reafirmar a validade dessa prática, o Supremo fortalece o papel dos sindicatos e das convenções coletivas, garantindo a autonomia para que empresas e trabalhadores ajustem as condições de trabalho de acordo com suas realidades específicas, desde que assegurem a proteção dos direitos fundamentais envolvidos.

A esse respeito, a Suprema Corte, no recente julgamento do Tema 1046, de Repercussão Geral, fixou a seguinte tese jurídica: 'São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.'

Com a decisão, o STF reconhece a necessidade de um regime jurídico de transição justo, fundamentado no princípio da proteção da confiança legítima, evitando uma crise econômica no segmento, ao mesmo tempo em que reforça a proteção aos direitos dos trabalhadores.

A modulação dos efeitos era providencial, configurando-se como uma medida razoável e proporcional. Sua ausência, sem dúvida, resultaria, não poucas vezes, na inviabilidade econômica de empresas ligadas direta ou indiretamente ao setor de transporte rodoviário, que já enfrenta desafios como a oscilação nos preços dos combustíveis, a alta carga tributária e as condições inadequadas das estradas. Essa situação poderia desencadear demissões em massa, contrariando as diretrizes de proteção e valorização do trabalho.

O desafio ainda é grande, talvez um dos maiores da atualidade: promover, por meio de uma legislação eficiente, os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, sem perder de vista a responsabilidade das empresas em contribuir, de maneira ativa e passiva, com o Estado na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Esse objetivo deve ser alcançado à luz dos princípios constitucionais, que vinculam a atividade empresarial à concretização da justiça social, impedindo que os objetivos constitucionais colidam com a defesa dos direitos fundamentais, tal qual é a proteção ao trabalho.


Regis Benante Ribeiro – Coordenador Jurídico

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