Conforme amplamente noticiado, logo em seguida ao Decreto que consolidou o estado de calamidade pública, emanado pelo Senado Federal e publicado em 20/03/2020, o texto editado na Medida Provisória 927, datado de 22 de março de 2020, evidenciou resposta do Governo Federal frente aos severos impactos da pandemia na economia do país, acarretando, de forma consectária, grande pressão ao empresariado para reduções drásticas quanto aos altos custos diretos gerados pelos postos formais de trabalho. Nessa senda, visando preservar o emprego e a renda no enfrentamento ao referido estado de calamidade pública, esta Medida Provisória procurou flexibilizar normas trabalhistas de especial relevo em tempos de isolamento social.
Com efeito, a Medida Provisória, durante sua vigência por 120 (cento e vinte) dias, teve força de lei. Dessa forma, em decorrência do encerramento de sua vigência, as regras previstas neste ato do Poder executivo foram revogadas, e, consequentemente, voltaram a produzir efeitos as previsões da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a partir de 20 de julho de 2020 (data do encerramento da vigência da Medida Provisória 927). Diante da revogação em tela, e não havendo qualquer sinal do Congresso Nacional em editar Decreto Legislativo para regulamentar os termos da Medida Provisória em questão, resta saber se as medidas implementadas pelos empregadores, com fulcro nas disposições vigentes enquanto estava em vigor a Medida Provisória, continuam válidas. Frise-se que não existe qualquer pretensão de esgotar as análises e estudos das matérias abordadas neste pequeno artigo, cabendo a esta publicação tão somente a segregação elucidativa dos principais temas tratados pela famigerada Medida Provisória.
Inicialmente, quanto ao home office/teletrabalho, a Medida Provisória 927 previa, em seu artigo 4º, que durante o estado de calamidade pública o empregador poderia alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro da alteração no contrato de trabalho. Com a perda da eficácia da MP 927, retorna a regra geral da CLT, na qual o empregador deixa de determinar unilateralmente a alteração do regime de trabalho do presencial para o remoto. Dessa forma, assim como já estava previsto na CLT, a adoção do teletrabalho dependerá de prévio acordo entre as partes, em contrato escrito, com especificação das atividades, bem como deve haver a previsão da responsabilidade pela aquisição, manutenção e custeio de equipamentos e utilidades essenciais para o desenvolvimento deste regime laboral. Ademais, ainda diante do que preconiza a CLT, o retorno ao regime presencial poderá ser determinado exclusivamente pelo empregador, mediante aviso formal, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias.
Insta asseverar, ainda, que a Medida Provisória afirmava que “O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo”. Portanto, com a revogação deste ato normativo do Poder Executivo existe, com absoluto fundamento, grande insegurança jurídica com a manutenção do modelo de home office/teletrabalho.
Pois bem, para melhor elucidar essa questão, torna-se necessário mencionar alguns dispositivos legais. O artigo 6º da CLT afirma que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância (...)”. Outrossim, o artigo 62 da CLT atesta que não são abrangidos pelo Capítulo da Duração do Trabalho aqueles empregados em regime de teletrabalho e o artigo 75-B define que se considera “teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.
Neste momento, a questão imperativa está pautada nas possíveis horas extras realizadas no regime de home office/teletrabalho, as quais causam grande apreensão aos empregadores. Em atenção a esta problemática, recomenda-se cautela e extrema atenção das empresas quanto à adoção do regime de home office/teletrabalho, uma vez que não existe modelo híbrido aceito pela Justiça do Trabalho, no qual parte da jornada está submetida a controle e parte isenta de tal controle. Desta feita, em atenção à responsabilidade do empregador em caso de eventual contaminação do funcionário pelo coronavírus no ambiente laboral, cabe ao empregador definir quais atividades podem ser realizadas em regime home office/teletrabalho. Assim, caso o empregador opte pelo modelo do home office/teletrabalho, nenhum controle de jornada pode ser implementado, sob pena de descaracterização da exceção tratada no artigo 62 da CLT, inciso III da CLT. Não obstante, caso o empregador entenda pelo trabalho em casa alguns dias e outros dias nas instalações da empresa, para os cargos que envolvem controle de jornada, recomenda-se o efetivo controle nos dois ambientes (empresa e residência do colaborador), tendo em vista o risco de descaracterização da exceção prevista no artigo 62 da CLT, inciso III da CLT, o que pode ser realizado por ferramentas telemáticas disponíveis no mercado.
Em suma, para melhor implementação deste modelo, as empresas devem implementar de políticas internas que priorizem a saúde e segurança do trabalhador, bem como formalizar contrato escrito a todos os trabalhadores que estejam adotando tal regime de trabalho.
Grande dúvida paira em relação aos aprendizes e estagiários, mormente quanto a atuação destes no regime de trabalho remoto. Dadas as circunstâncias da pandemia, entendemos pela possibilidade do trabalho remoto quanto aos aprendizes e estagiários, desde que tais contratos atípicos sejam supervisionados e não destoem do imperioso conteúdo educacional inerente a estas modalidades, o que demandará, certamente, adaptação das empresas.
Neste tema home office/teletrabalho, sem dúvida a melhor saída converge para a adoção de Acordos Coletivos ou Convenções Coletivas que disponham sobre o home office/teletrabalho, sobretudo pelo que dispõe o artigo 611-A da CLT, o qual admite prevalência do negociado sobre a legislação em vigor, sempre em consonância às restrições impostas pelo art. 611-B da CLT (elenca rol de direitos essenciais não passíveis de redução ou supressão por acordo ou convenção coletiva).
No que tange às férias individuais, urge salientar que o comunicado do empregador deve ocorrer com 30 (trinta) dias de antecedência, não havendo mais falar em 48 (quarenta e oito) horas, como previa a Medida Provisória. Outrossim, as férias mantêm a possibilidade de fracionamento em 3 (três) períodos, um deles não inferior a 14 (quatorze) dias e os demais não inferiores a 5 (cinco) dias cada. O pagamento das férias não pode ser realizado como estava disposto na Medida Provisória, sendo certo que o adicional de 1/3 e o abono pecuniário passam a ser pagos nos prazos normais, em até 2 (dois) dias antes do início das férias.
Por sua vez, a antecipação de férias prevista na Medida Provisória não poderá mais ser executada pelo empregador. Neste sentido, fica vedado antecipar férias para o funcionário que não completou um período aquisitivo de 12 (doze) meses como empregado, exceção feita às férias coletivas.
Não obstante, as férias individuais comunicadas durante a vigência da Medida Provisória deverão ser respeitadas, inclusive quanto ao pagamento do terço constitucional até dezembro de 2020. Assim, as férias pactuadas antes de 20 de julho de 2020, ainda que antecipadas, usufruídas ou em curso, seguirão o que fora previsto na Medida Provisória.
As comunicações feitas antes de 20 de julho de 2020 são válidas, inclusive para a antecipação do período. No entanto, salienta-se que, se usufruídas após a data em menção, induzem pagamento nos 2 (dois) dias que a antecedem, conforme dispõe o art. 145 da CLT.
As férias coletivas também foram alteradas com o encerramento da vigência da Medida Provisória 927. Portanto, retoma-se o prazo legal de 15 (quinze) dias de antecedência, e não mais 48 (quarenta e oito) horas, por um período mínimo de 10 (dez) dias (em 2 períodos anuais, não inferiores a 10 dias cada), havendo a necessidade formal de informar ao sindicato da categoria e ao Ministério da Economia.
Vale destaque, também, um tema polêmico previsto na Medida Provisória 927, a antecipação de feriados, os quais não podem mais sofrer tal ajuste, a menos que haja norma coletiva (acordo ou convenção coletiva) avalizando tal antecipação.
Quanto ao banco de horas, a Medida Provisória 927 previa que eventuais horas não trabalhadas em razão da interrupção das atividades do empregador poderiam ser compensadas em até 18 (dezoito) meses, contados do encerramento do estado de calamidade pública. Agora o banco de horas deixa de ser compensado em até 18 (dezoito) meses, retornando o prazo legal de 6 (seis) meses em caso de acordo individual e até 1 (um) ano nos casos de banco de horas previstos em acordos ou convenções coletivas.
Vale dizer, as horas negativas decorrentes apuradas durante a vigência da MP 927 poderão ser compensadas até 30 de junho de 2022. No entanto, as horas levadas ao banco de horas a partir de 20 de julho de 2020 deverão ser levadas à compensação em até 6 (seis) meses (acordo individual) ou em 1 (um) ano (acordo ou convenção coletiva).
Com o encerramento da vigência da MP 927, os exames médicos ocupacionais devem ser realizados nos prazos destacados na Norma Regulamentadora nº 7 (regulamenta o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional). Outro ponto de relevo é que deixa de existir a possibilidade de prorrogação dos mandatos dos membros da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes - CIPA, devendo o processo eleitoral ser realizado nos prazos previstos na Norma Regulamentadora nº 5 (regulamenta a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). Os treinamentos de segurança previstos nas Normas Regulamentadoras também devem ser retomados normalmente.
No que concerne às fiscalizações, os Auditores Fiscais do Trabalho deixam de atuar exclusivamente de maneira orientativa, inclusive com a possibilidade de aplicação de sanções e multas.
Por fim, sobreleva abordar as convenções e acordos coletivos vencidos ou vincendos até 17 de setembro de 2020 (180 dias da entrada em vigo da Medida Provisória), uma vez que esta Medida Provisória determinava que poderiam ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de até 90 (noventa) dias. Entende-se, neste caso, que o artigo 614, §3º da CLT é claro ao vedar a prorrogação de efeitos (ultratividade) das normas coletivas. Assim, tal possibilidade de prorrogação de efeitos das normas coletivas deixa de existir.
Para mais esclarecimentos e análise de casos concretos, contamos com uma equipe especializada pronta para atendê-los.
André Issa Gândara Vieira
Gerente Jurídico Trabalhista
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