De acordo com o Código de Processo Civil de 1973, o salário era um bem absolutamente impenhorável, conforme dispunha o artigo 649, inciso IV, do referido diploma. Posteriormente, com a promulgação do atual Código de Processo Civil, no ano 2015, esta regra ficou mais flexível, de modo que a expressão absolutamente fosse retirada do texto legal, ficando apenas taxada a impenhorabilidade do salário, nos termos do artigo 833, inciso IV.

Buscava-se com o antigo texto preservar de forma absoluta as verbas destinadas à subsistência do devedor e sua família, garantindo o mínimo existencial e um padrão de vida razoavelmente bom, ao qual já estavam habituados.

Assim, verifica-se que uma das principais alterações trazidas pelo atual Código de Processo Civil foi de fato fornecer maior efetividade às satisfações dos credores, os quais, com a antiga lei processual civil, encontravam diversas dificuldades em verem seus créditos adimplidos.

Seguindo esta linha, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, composta pelos 15 ministros mais antigos, ao julgar os Embargos de Divergência em Recurso Especial de número 1.518.169/DF em 03 de Outubro de 2018, sacramentou o entendimento de que a regra geral da impenhorabilidade de salário pode ser mitigada em favor do credor, desde que garantido o mínimo existencial para salvaguardar a sua dignidade, bem como de sua família. Frisa-se que o veredicto foi por maioria de votos, sendo vencido apenas o Ministro Herman Benjamin.

Entendeu a Corte Especial que a regra da impenhorabilidade de verba salarial contém exceção não somente para as de caráter alimentares, mas igualmente para possibilitar a penhora de valores de forma razoável e dentro da proporcionalidade, sem, contudo, afrontar os princípios da dignidade da pessoa e da própria subsistência familiar.

Com efeito, as obrigações são regidas pela boa-fé dos pactuantes e o Código de Processo Civil de 2015 tem por finalidade exatamente tratar as partes de forma mais igualitária, possibilitando ao credor a satisfação de seu crédito e ao devedor a menor onerosidade possível.

No caso julgado, a remuneração da devedora é superior a 20 mil reais mensais, sendo que a constrição foi de 30% sobre este valor, o que restaria em torno de 14 mil reais por mês. Desta forma, eis as palavras do Ministro Relator Doutor Benedito Gonçalves proferidas no referido acórdão:

“Sob essa ótica da preservação de direitos fundamentais, o direito do credor a ver satisfeito seu crédito não pode encontrar restrição injustificada, desproporcional, desnecessária. No que diz respeito, portanto, aos casos de impenhorabilidade (e sua extensão), só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de seu mínimo existencial, à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes.”

Ainda, para o Ministro Relator, “O caso dos presentes autos bem ilustra situação em que o devedor, mesmo com a penhora de percentual de seus rendimentos (definido pelo Tribunal local e mantido pela Terceira Turma), é capaz de manter bom padrão de vida para si e para sua família, muito superior à média das famílias brasileiras”.

Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça acertadamente, e atribuindo entendimento mais atual à realidade da sociedade brasileira, sacramentou o entendimento de que é possível a penhora de salário quando esta não fere a dignidade do devedor e possibilite a manutenção de sua família.

Rodolfo Rabito Soares
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