O Superior Tribunal de Justiça foi criado pela Constituição Federal de 1988 e ficou conhecido como o Tribunal da Cidadania, pois, muito embora seja fruto da uma Constituição também chamada de cidadã, a natureza das causas levadas à Corte diz respeito diretamente ao cotidiano das pessoas e da sociedade, tendo, portanto, como papel precípuo, a uniformização e interpretação da lei federal em todo o Brasil, sendo o Recurso Especial a principal via de acesso ao Tribunal.

A Proposta de Emenda Constitucional nº 39/2021, apelidada de “PEC da Relevância”, tem por objetivo alterar o Art. 105 da Constituição Federal, que trata das competências e atribuições do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de criar mais um requisito de admissibilidade do Recurso Especial, condicionando-o à exigência de demonstração da relevância da questão jurídica de direito federal discutida no caso, sendo que a recusa da admissão do recurso somente poderá ser aceita pela manifestação de dois terços do membros do órgão julgador competente.

A justificativa do projeto original (PEC nº 209/2012) espelhou-se na introdução da repercussão geral para o Recurso Extraordinário com competência de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal nas questões constitucionais, em consonância a estudos que apontaram problema de congestionamento da Suprema Corte em razão da grande quantidade de recursos.

Nesta linha, verificou-se que no ano de 2007, ano em que a introdução do novo requisito entrou em vigor, haviam sido distribuídos 159.522 processos. Após a aplicação do novo filtro recursal, houve redução para 38.109 em 2011.

Com tais justificativas a proposta foi encaminhada ao Senado Federal, sendo registrada como PEC nº 10/2017 apenas com o texto relacionado aos requisitos de repercussão geral e recusa de processamento do recurso com manifestação de dois terços dos membros do órgão julgados competente.

Muito embora a PEC tenha sido aprovada no Senado em dois turnos de votação e por unanimidade, houve emenda em seu texto original, levando em consideração debates legislativos com a participação de juristas e da OAB.  Foram incluídas no texto situações (exceções) em que o Recurso Especial será necessariamente considerado “relevante”.

Assim, foram criadas as seguintes exceções ao filtro da relevância: ações penais; ações de improbidade administrativa; causas de valor superior a 500 salários mínimos; ações que possam gerar inelegibilidade; e hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do STJ e outras hipóteses previstas em lei.

Com o retorno da PEC à Câmara dos Deputados em razão da emenda, agora como PEC nº 39/2021, nas novas justificativas para sua aprovação, mencionou-se explicitamente, que o objetivo da PEC é “descongestionar o sistema de justiça, reduzindo o número de recursos especiais junto ao STJ, mediante a imposição de um novo requisito de servirá como filtro de acesso”.

Reforçando as justificativas para aprovação da proposta original, o parecer da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, agora mais robusto em estatísticas e argumentos técnicos, trouxe levantamento numérico de julgamentos pelo STJ, mencionando que “As estatísticas são particularmente eloquentes: o STJ julgou apenas 3.711 processos em 1989, primeiro ano de seu funcionamento. Dez anos depois, em 1999, essa cifra anual já chegava a 128.042, passando a 328.718 em 2009, e a 543.381 em 2019, até atingir espantosos 560.405 processos apenas no ano de 2021.”

Em levantamento específico sobre o julgamento de recursos especiais, consta no parecer que “, o STJ julgou modestos 856 recursos em 1989, seu primeiro ano de funcionamento. Essa cifra chegou a 106.984 em 2008, com picos semelhantes em 2003 (100.096), 2005 (104.918), 2017 (101.123) e 2018 (100.665), segundo dados informados a esta Relatoria pelo próprio tribunal. Mais recentemente, o STJ julgou 72.311 recursos especiais somente em 2021 – número mais baixo, mas nem por isso menos impressionante.”

Dentre os argumentos constantes no parecer, menciona-se também a existência de filtros de acesso a tribunais em outros países, como Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França e Argentina, de modo que a PEC da Relevância brasileira não cria nada de novo no plano conceitual.

Nesse contexto, com a aprovação de PEC da Relevância, há a expectativa de que o Superior Tribunal de Justiça não atue como um Tribunal meramente revisor de terceira instância, assim reassumindo sua finalidade precípua de unificação da interpretação das normas infraconstitucionais e sua jurisprudência e racionalização da prestação jurisdicional, de modo a trazer maior segurança jurídica, fazendo com que os temas sem relevância sejam decididos nas instâncias inferiores com benefício para a razoável duração do processo.

Apesar das discussões e debates no contexto legislativo da PEC e do estabelecimento de novos critérios e exceções para acesso ao Tribunal da Cidadania, outros pontos em desfavor foram levantados na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, na medida em que as exceções com a presunção de relevância de algumas matérias não possuem justificativa plausível, além de deixar em aberto a possibilidade de outras hipóteses previstas em lei.

Na toada desfavorável à PEC, também surgiram argumentos questionando se os filtros de relevância não seriam um obstáculo de acesso à Justiça, em especial no Tribunal da Cidadania, que é o STJ, onde as portas devem ser mais abertas ao cidadão. Chegou-se a cogitar que ao invés de colocar obstáculos aos recursos, melhor seria ampliar a capacidade do STJ, ou até mesmo a criação de novos Tribunais Federais, de modo que o direito de acesso à justiça e aos recursos a ela inerentes não sejam restringidos, na medida que são direitos fundamentais.

Nesse mesmo sentido em desfavor do filtro, os que buscam os Tribunais Superiores já se deparam com jurisprudência defensiva, na criação de entraves e pretextos para impedir a chegada e o conhecimento de recursos que lhe são dirigidos.

Enfim, muito embora exista expectativa do próprio STJ de que a PEC da relevância diminua em 50% a entrada de recursos que chegam ao Tribunal, a exemplo da experiência do filtro recursal do Recurso Extraordinário no STF, o que se espera do Poder Judiciário são decisões coerentes, com qualidade, com segurança jurídica e com observância da razoável duração do processo.


Marco Aurélio F. Yamada
marcoyamada@mandaliti.com.br


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