Em um Estado constitucional e democrático de direito, as soluções de conflitos podem ser resolvidas de forma heterocompositiva ou pela autocomposição. A primeira ocorre quando um terceiro participa em colaboração com as partes para realização do direito, e a segunda quando as próprias partes resolvem seu conflito, que pode ocorrer de forma espontânea e se consubstanciar por meio de uma transação extrajudicial.

Vale ressaltar que a autocomposição ainda é uma das melhores formas de resolução de conflitos, principalmente a extrajudicial, evitando uma longa jornada processual pelo Poder Judiciário. Atualmente, a autocomposição extrajudicial vem retomando seu espaço por meio de soluções tecnológicas aplicadas nas dinâmicas dos conflitos, por meio das chamadas ODRs (Online Dispute Resolution Systems).

Dito isto, a autocomposição por meio da transação é uma forma de por fim a uma divergência de interesses, de modo que não haja mais discussão da situação conflituosa e suas consequências, trazendo segurança jurídica e paz social. Essa ocorre quando uma das partes concede a outra a quitação ampla, geral e irrevogável, efetivada em acordo extrajudicial e que, de acordo com entendimento consolidado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, deve ser presumida válida e eficaz, não se autorizando o ingresso na via judicial para ampliar verbas indenizatórias anteriormente aceitas e recebidas (REsp 815.018/RS, julgado em 27/4/2016).

Ocorre que, a mesma Corte, ao julgar o AgInt no REsp n.º 1.833.847/RS, criou exceção à regra consolidada acima mencionada, no sentido de que em determinadas situações particulares pode haver solução distinta, desconsiderando a quitação plena e geral em acordo extrajudicial e autorizando o ajuizamento de ação para ampliar a verba indenizatória acordada.

No caso deste novo julgamento, o fundamento determinante utilizado pela Quarta Turma para excepcionar a regra da integral quitação foi o curto espaço de tempo entre o acidente que causou o dano e a transação. Trata-se de um critério demasiadamente subjetivo e casuístico, que pode abrir margem para discussão do transcurso de um tempo maior ou menor, dependendo do tipo de dano causado, gerando grande insegurança jurídica e desprestígio à transação entabulada pelas partes.

A flexibilização da regra posta pela Segunda Seção com um argumento temporal acabou criando uma cláusula geral, cujos valores podem ser preenchidos de acordo com as contingências de cada tipo de dano e sua dinâmica, e, de certo modo, deixando em aberto a possibilidade de rediscussão futura via Poder Judiciário, e em razão da insegurança jurídica da transação extrajudicial, fazendo valer mais a pena litigar e ter uma decisão definitiva do que a insegurança futura dentro de um prazo prescricional de até dez anos ou mais.

Se por um lado, há um intenso incentivo para que os conflitos sejam resolvidos de forma amigável, evitando o litígio judicial, por outro lado é preciso proteger a justa expectativa das pessoas com segurança jurídica, evitando descrédito ao instituto da transação extrajudicial e, do ponto de vista da razoabilidade, a decisão da Quarta Turma do STJ acabou indo no contrafluxo dessa segurança, de índole constitucional  hospedado no Estado Democrático de Direito.

Marco Aurélio F. Yamada          Rodolfo Rabito Soares                            
marcoyamada@mandaliti.com.br              rodolfosoares@mandaliti.com.br