O consentimento é um aspecto importante quando o assunto é tratamento de dados pessoais, principalmente após a promulgação da Lei nº 13.709/2020 (Lei Geral de Proteção de Dados).

E pelo fato da LGPD ser aplicável à relação de trabalho, o dilema de muitas empresas toca ao alcance da necessidade de colheita do consentimento do empregado para o tratamento de seus dados: seria o consentimento do titular, imprescindível para o tratamento de todo e qualquer dado coletado?

Pois bem, para chegar à resposta ao questionamento acima, deve se observar a finalidade da LGPD a fim de compreender o real sentido de sua aplicação na relação trabalhista.

A LGPD regulamenta o tratamento de dados referentes a pessoa natural, a fim de garantir uma melhor gestão de informações pessoais e coibir a sua utilização para fins abusivos e ilícitos contra o próprio titular e/ou a ordem pública. Quem não se lembra do escândalo “Cambridge Analytica”, em que a empresa britânica foi acusada de utilizar dados pessoais e privados de usuários do Facebook, para fins políticos?

Como define a LGPD, dado pessoal é “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável” (art 5, I). Logo, toda informação que possa levar à identificação de uma pessoa natural, como por exemplo, nome, número de documento e de telefone, estado civil, endereço, origem étnica, informações médicas, etc., é dado pessoal e deve ser tratado nos termos da referida lei.

A lei inclusive, eleva o status de alguns dados mais relevantes rotulando-os como “sensíveis” (art. 5º, II), dada a extrema necessidade de sua preservação, pois, se utilizados indevidamente, podem levar a situações discriminatórias contra o próprio titular.

Diante disso, toda pessoa física ou jurídica que operacionaliza e/ou trata dados pessoais, está sujeita as normas da LGPD (art. 3º, caput).

Ao titular do dado, por sua vez, é garantido o acesso à informação clara e precisa sobre a necessidade e forma de tratamento de seus dados (art. 9º), bem como, de requerer a sua eliminação (art. 18, VI).

Diante então, da necessidade absoluta de proteção dos dados pessoais, a LGPD fixou condições de permissão para o tratamento de cada tipo de informação pessoal, baseando-se em alguns princípios, de onde se destacam a necessidade e finalidade do procedimento. Para isso, a lei trouxe a necessidade de consentimento expresso do titular (art. 7º I e 11, I), para todos os casos em que não haja amparo legal que por si só, autorize o tratamento do dado.

Assim sendo, vale destacar que nem toda colheita e tratamento de dados pessoais exige a autorização expressa do titular, pois existem informações que são necessárias à formação e cumprimento de relações jurídicas, ao mesmo tempo que outras são naturalmente públicas, não havendo a necessidade de autorização expressa do titular para todos os fins, mas apenas para aqueles mais específicos a depender do caso, respeitando-se sempre, os direitos do titular e os princípios que regem a lei (art.7, §4º).

E isso se estende à relação de emprego, pois a LGPD tem impacto direto nos liames trabalhistas, em razão da lei não dispor de forma especial acerca do tratamento de dados utilizados neste tipo de relação, e pelo fato do empregador ser um agente de tratamento (art. 5º, IX), por executar os comandos definidos nos incisos VII (operação) e X (tratamento) do artigo 5º da lei.

Logo, a resposta ao dilema sobre a necessidade do consentimento do empregado, segue no sentido de que a autorização deste é necessária apenas para o tratamento do dado prescindível à formação e cumprimento do contrato de trabalho, não sendo necessário, portanto, que o empregado autorize todos os procedimentos de tratamento de suas informações pessoais.

Assim, é importante que o empregador se atente aos cuidados previstos em lei, devendo incluir mecanismos de cumprimento da LGPD na política de governança e compliance da empresa. E isso passa pela necessidade de cumprimento das regras de transparência no tratamento dos dados dos empregados.

Não bastasse, a fim de otimizar o fluxo de trâmites burocráticos e administrativos do Departamento Pessoal e evitar atos desnecessários, é importante que o empregador saiba quando a colheita do consentimento expresso do empregado é obrigatória para o tratamento de determinado dado pessoal, e quando não é.

Neste caso, é importante verificar se há garantia legal a suprir a necessidade de autorização do trabalhador. E para isso, há algumas hipóteses definidas na lei, que auxiliam o empregador, pois fixam a permissão legal para o tratamento do dado sem a autorização do titular. Dentre elas, destacam-se as disposições dos artigos 7º, II e 11, II, “a”. Veja-se:

Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:
I - mediante o fornecimento de consentimento pelo titular;
II - para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; (grifamos)

Art. 11. O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:
II - sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para:
a) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; (grifamos)

A maioria das informações tratadas na relação de trabalho são imprescindíveis ao cumprimento do contrato laboral. Todo empregador necessita de dados pessoais do empregado para registro interno e em órgãos públicos, bem como, para gerir e organizar aspectos referentes a salário, jornada, férias, saúde e segurança laboral, licenças, etc. Assim, o tratamento de dados como nome, nacionalidade, estado civil, profissão, documentos pessoais, endereço, informações bancárias, exames ocupacionais, etc., é necessário. Por essa razão, sem deixar de observar os demais preceitos e permissões da lei, os artigos 7º, II e 11, II, “a” são a garantia de que os dados indispensáveis à formação e efetivação do contrato de trabalho não necessitam de expresso consentimento do trabalhador.

Na mesma esteira, qualquer ocasião que não se adeque às permissões legais, mas que exija o manuseio de dados pessoais do empregado, seja por interesse da empresa ou do próprio trabalhador, este deve ser realizado com o consentimento expresso, e de preferência escrito, deste, sob pena do empregador sofrer as penalidades descritas no capítulo VIII da lei, que por sua vez, prevê sanções administrativas que vão desde advertência com indicação de prazo para adoção de medidas (art. 52, I), até multa no patamar de até 2% do faturamento, limitado à R$ 50 milhões por infração.

Não bastasse, cessada a finalidade do tratamento de qualquer dado pessoal, seja antes, durante ou após o fim do vínculo empregatício, o empregador deve eliminá-lo de seu banco de dados, a pedido ou não, do titular (art. 15, I, II e 16, I), restando autorização legal para manutenção daqueles que resguardem os direitos da empresa e até do titular, por um período de tempo a depender dos prazos prescricionais previstos na CLT, bem como nas leis previdenciárias (guias de FGTS, cópias do PPP, holerites, cartões de ponto, ficha de registro, exames ocupacionais, etc.).

Para finalizar, vale registrar que não obstante a existência um rol de hipóteses na LGPD, que autorizam o tratamento de dados sem o consentimento do titular, este não é exaustivo, podendo haver no dia a dia, a depender dos aspectos de cada demanda, situações que se encaixem em uma permissão legal, tornando prescindível a coleta da autorização expressa do titular. Por este motivo, dentre outros, é muito importante que o Departamento de RH da empresa trabalhe em perfeita harmonia com o Departamento Jurídico, a fim de otimizar os procedimentos administrativos, sem deixar de observar os ditames legais.

Isaque Nogueira
isaquenogueira@mandaliti.com.br