Segundo A comercialização antecipada de lotes em empreendimentos ainda não registrados no Cartório de Registro de Imóveis é prática vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, acarretando a nulidade absoluta dos contratos celebrados com essa finalidade. 

Muitas vezes, tais negócios são apresentados sob roupagens criativas, tais como “acordos de investimento”, “intenções de compra” ou “reservas de futura aquisição”, na tentativa de conferir aparência de legalidade. 

Contudo, a Lei n.º 6.766/79 é inequívoca ao proibir a negociação de lotes em loteamentos não registrados, por ausência de existência jurídica do próprio lote. O registro do loteamento é requisito essencial para a constituição da unidade imobiliária. Antes dele, o empreendimento não configura bem individualizado nem passível de alienação. 

O artigo 37 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano é taxativo: É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento, ou desmembramento não registrado. Assim, qualquer contrato que manifeste intenção de alienar o lote (ainda que disfarçado sob outra denominação) é nulo de pleno direito, por ter objeto ilícito. 

A nulidade é absoluta e insanável, pois decorre da inexistência do objeto contratual. Nos termos dos artigos 104 e 166 do Código Civil, a validade do negócio jurídico exige objeto lícito e determinado, além da forma prescrita em lei. A ausência desses requisitos impede a formação válida do vínculo. Mesmo o posterior registro do loteamento não convalida o contrato, pois a nulidade retroage à origem. 

Algumas loteadoras tentam contornar a proibição mediante a celebração de “contratos de investimento”, nos quais o adquirente é denominado “investidor”. Entretanto, a análise substancial desses instrumentos demonstra que sua finalidade real é a alienação de metragem quadrada ou de lote específico ainda inexistente. A denominação, portanto, não altera a essência nem afasta a ilicitude. 

Além de juridicamente nulos, tais contratos geram grave insegurança para o adquirente, que não adquire direito real nem expectativa legítima de aquisição. Isto é, não pode exigir a escritura pública nem tampouco a posse do bem, ficando sem proteção patrimonial. Financeiramente, a ausência de garantias, a devolução do investimento com correções condizentes ou até mesmo mecanismos confiáveis de restituição expõe o contratante à perda integral dos valores pagos. 

Vale dizer que o sistema registral imobiliário brasileiro tem por função trazer segurança jurídica e proteger o interesse coletivo. O registro do loteamento visa garantir o atendimento às exigências urbanísticas e ambientais, a execução das obras de infraestrutura e a destinação adequada das áreas públicas ao Município. Permitir a comercialização antecipada subverte essa lógica, favorecendo empreendimentos precários e colocando em risco o próprio ordenamento territorial. 

Se declarada a nulidade deste tipo de contratação, as partes devem ser restituídas ao estado anterior (status quo ante). O adquirente tem direito à devolução dos valores pagos, sem expectativa de lucros ou valorização do imóvel inexistente. Eventual indenização dependerá da demonstração de dolo, má-fé ou enriquecimento sem causa da loteadora. Não há, contudo, direito à adjudicação do lote ou à continuidade do negócio, pois o contrato é juridicamente inexistente, como dito. 

Importa destacar que a ilicitude não só alcança, mas pune as loteadoras que acreditam estar amparadas por negócios “atípicos”. Tais práticas não configuram mera irregularidade civil, mas podem caracterizar crime contra a Administração Pública, nos termos do artigo 50 da Lei nº 6.766/79, punido com reclusão e multa. Sem mensurar o dano à imagem da loteadora bem como do empreendimento quando se torna público este tipo de prática ilegal. 

Existem, contudo, formas legítimas de captação de recursos para empreendimentos imobiliários, como a constituição de sociedades de propósito específico ou sociedades em conta de participação, que oferecem maior transparência e segurança jurídica, inclusive sob o aspecto tributário pela objetividade que lhe traz. 

Portanto, qualquer contrato que implique alienação de parcela de solo antes do registro do loteamento deve ser evitado, pois é somente com ele (o registro) que se assegura o objeto lícito, e a possibilidade de se de firmar, validamente, compromisso de compra e venda, acompanhado de memorial descritivo, cronograma de obras e garantias de execução, conforme exige o artigo 18 da Lei n.º 6.766/79. 

Para preservar a boa-fé e a estabilidade das relações imobiliárias, é imprescindível abandonar instrumentos artificiosos, ou é verdadeiro investimento com a descrição e a delimitação de suas obrigações e direitos precípuos ou se adota estruturas contratuais mais juridicamente consolidadas, que, da mesma forma, assegurem direitos e obrigações claras para ambas as partes.



Texto por:
Natália Batistuci Santos - Advogada
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