Além do já amplamente divulgado impacto na cobrança do ICMS-DIFAL, após o advento da LC 190/22, nessa oportunidade gostaríamos de tratar do impacto que essa mesma norma traz à cobrança do ICMS interestadual, nas relações entre remetente e consumidor final, não contribuinte do ICMS.

Uma breve digressão quanto ao histórico legislativo se faz necessária para demonstrarmos a evolução e modificação da incidência tributária na relação com consumidor final não contribuinte do ICMS, entre o remetente e os estados de origem e destino, bem como sua forma de cálculo, critérios relacionados ao consequente da regra de incidência tributária.

A Constituição Federal em seu artigo 155, VII, “b” previa a relação jurídica entre o remetente da mercadoria e o estado de origem, com a incidência da alíquota interna, quando o destinatário fosse não contribuinte e consumidor final.

Ou seja, a relação do remetente era única e, exclusivamente, com o estado de onde saía a mercadoria, e a alíquota incidente era apenas a interna.

Nos termos da CF/88 a norma de incidência a ser criada, estruturada em hipótese e consequência, dada a relação causal, implicacional, deveria considerar no antecedente o fato de se realizar a circulação de mercadoria com consumidor final, não contribuinte do ICMS, e no consequente o dever de recolher o imposto para o estado de origem com incidência da alíquota interna.

Com o advento da EC nº 87/2015 houve a revogação desse artigo que passou a ter nova redação e culminou na autorização da criação de uma nova relação causal tributária.

Agora, a norma de incidência passaria a disciplinar uma nova consequência tributária, a constar o dever de recolher o imposto para o estado de origem com incidência da alíquota interestadual e para o estado de destino o diferencial de alíquota.

Veja-se que nessa nova redação constitucional a relação causal incidental tributária autorizada se alterou, passando a ser do remetente entre o estado de origem e destino, e não mais apenas entre estado de origem, e a alíquota para interestadual e DIFAL, e não mais apenas interna.

Com essa nova forma de incidência tributária autorizada pela Constituição Federal a partir de 2015, culminou a necessidade de edição de uma nova Lei Complementar, em respeito à forma autorizada pela Constituição Federal para instituição dessa incidência do ICMS autorizada pela Carta Magna, nos termos do artigo 155, XII e 146 da CF.

Assim, com o advento da LC 190/22, que alterou a Lei Complementar 87/96, art. 4º, § 2º, I, II e V a relação jurídica prescritiva obrigacional implicacional foi completamente modificada, fazendo nascer uma nova regra de incidência tributária, ou seja, um novo tributo que não é apenas o DIFAl, mas toda a regra de incidência tributária que implica, também, na incidência do ICMS interestadual.

De forma que toda discussão a respeito do princípio da anterioridade anual e nonagesimal da LC 190/22 também se aplica à cobrança do ICMS interestadual, porque a estrutura da norma jurídica de incidência do ICMS nas operações com consumidor final, não contribuinte, foi alterada, a relação do remetente com o estado de origem também foi alterada, culminando com uma nova regra de incidência, e, com isso, na criação de um novo tributo, já que os seus critérios de incidência passaram a exigir nova forma de recolhimento, além de nova relação jurídica.

Considerando que a relação jurídica e a obrigação prestacional estão no consequente da regra de incidência, e essas regras foram alteradas é certo que surgiu uma nova regra de incidência tributária.

E, tendo surgido uma nova regra de incidência tributária, tem-se a criação de um novo tributo a ser instituído por cada Unidade da Federação, motivo pelo qual a LC 190/22 deve respeitar a anterioridade prevista no artigo 150, III, “b” e “c” da CF, assim como as normas estaduais que sobrevierem.

As notas que conotam as consequências jurídicas do fato escolhido pelo legislador não são mais as mesmas, são outras, assim, impossível considerar se tratar da mesma regra de incidência, os efeitos jurídicos almejados pelo legislador mudaram substancialmente.

Se a finalidade da norma é regular o comportamento humano, com a LC 190/22, vimos um novo comportamento humano sendo regulado, a proposição consequente foi alterada para atingir esse novo comportamento que só é possível com uma nova regra de incidência tributária.

Nesse sentido, poderíamos classificar a LC 190/22 como norma geral e abstrata produzida para incidir, posto que nela se encontram as classes dos fatos (delimitada pela hipótese) e das relações (delimitada pelo consequente), de forma conotativa. Entretanto, em se tratando de regra geral de imposto estadual, essa incidência está condicionada à criação pelos Estados e Distrito Federal de novas regras gerais e abstratas, denominadas de regra-matriz de incidência, normas produzidas para serem aplicadas, que se fundamentarão materialmente na Lei Complementar.

Em síntese, considerando a conotação de uma nova regra de incidência tributária trazida pela LC 190/22, em respeito à formalidade constitucional tributária, para regular o comportamento humano na prescrição de outros efeitos almejados pelo legislador, entendemos que a incidência do ICMS interestadual também deve obediência à anterioridade anual e nonagesimal, assim como o DIFAL, posto que ambos fazem parte desse novo imposto criado pelo legislador complementar, indo além podemos pensar que a modulação do tema 1093 não se aplica ao ICMS interestadual, mas isso é tema para outro artigo.

Fernanda Teodoro Arantes
fernandaarantes@mandaliti.com.br