Com a pandemia do coronavírus (COVID-19), o mundo foi obrigado a dar passos largos e rápidos em relação à inovação tecnológica buscando se adaptar ao novo cenário de isolamento social e, ao mesmo tempo, não interromper as atividades empresariais. Muitos dizem que, em vários aspectos, avançamos três anos em três meses. Mas onde fica o papel do Poder Judiciário nesse mundo em constante mutação e inovação tecnológicas?

Sobre esse aspecto, o Conselho Nacional de Justiça divulgou recentemente um estudo sobre a incorporação de I.A. no Poder Judiciário brasileiro, de forma a demonstrar como a inovação tecnológica pode ser utilizada para melhorar a qualidade da prestação jurisdicional, seguindo uma realidade já posta em alguns países, como China, Reino Unido, Canadá, Estados Unidos, Japão, Singapura, Dinamarca e Índia, sendo este último com uma similaridade em quantidade de processos em relação ao Brasil.

Todos esses países tiveram a incorporação da tecnologia de forma bem sucedida, no sentido de diminuição da assimetria informacional, racionalização das etapas, ferramentas de videoconferência, automatização de execução de tarefas burocráticas, redução de tempo do processo, entre outras.

Diante disso e em razão da alta litigiosidade acompanhada da multiplicação de demandas de massa, segundo o CNJ, tornou-se essencial o desenvolvimento de ferramentas que garantam a estabilidade, uniformidade, previsibilidade, coerência e integridade à jurisprudência dos Tribunais, em especial aos Tribunais Superiores, para fazer frente à realidade da “Era Digital". Assim, para o alcance desses objetivos, a I.A. tem sido vista como uma das principais soluções.

Dentre as inúmeras aplicações e funcionalidade da I.A. pelo Poder Judiciário (triagem de grande massa, movimento processual inteligente, análise de prevenção e identificação de similaridade processual), destacamos uma que já se encontra em funcionamento dentro de alguns Tribunais, que diz respeito à produção automática de sugestões de textos com base no que já foi escrito e a identificação de correntes jurisprudenciais baseadas na similaridade de acórdão julgados que façam referência a um mesmo item da legislação (artigo).

Qual o ponto de vista em relação a esta função? Se de acordo com Pedro Domingos, professor de ciências da computação na Universidade de Washington, "o algoritmo é uma sequência de instruções que diz ao computador o que fazer", o problema, ao menos inicialmente, é que trata-se de uma ferramenta que pode tomar decisões que afetam vários aspectos fundamentais (pessoais, empresariais, liberdade e propriedade), e diz respeito em saber qual a regra utilizada para se chegar a determinada decisão.

Em uma decisão judicial proferida por um magistrado humano, nos termos do CPC, o elemento essencial de uma sentença diz respeito aos seus fundamentos, em que o juiz analisa as questões de fato e de direito. Nesta esteira, mesmo que a I.A. apenas faça predições sobre decisões ou sugestão de qual a melhor opção aplicável ao caso, qual seria a fundamentação? Se o magistrado utilizar a opção escolhida pela I.A., como a I.A. chegou a tal decisão, quais as bases?

Havendo recurso, como impugnar uma sentença baseada em algoritmos? Atualmente uma decisão tem por base os fundamentos elaborados pelo magistrado, que, com a aplicação da I.A., haverá ainda a necessidade de compreender a regra de programação algorítmica. Eis aí mais uma habilidade necessária para os operadores do direito, pois os robôs estão chegando. Alguns deles:

•  VICTOR: Plataforma de I.A. do STF;
•  ELIS: Solução Apoiada por IA em execuções ficais do TJPE;
•  Hórus, Amon e Toth: TJDFT;
•  Corpus 927: Sistema de centralização e consolidação de jurisprudência da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – Enfam.

Eis o ponto de reflexão sobre um tema altamente complexo e que, necessariamente, deverá ser estudado e acompanhado pela comunidade jurídica e mercado.


Marco Aurélio F. Yamada
marcoyamada@mandaliti.com.br