O trabalho em plataformas digitais, relacionado à denominada economia colaborativa (sharing economy), denota a necessidade de profunda mudança nos conceitos clássicos de trabalho e emprego.

A ideia deste brevíssimo artigo é provocar uma reflexão que nos liberte de uma visão binária de que o serviço somente pode ser prestado de forma autônoma, por conta e risco do trabalhador, ou através de uma relação empregatícia, nos moldes dos arts. 2º e 3º da CLT.

Este novo sistema de trabalho nasce em um período de mudanças da economia global e se traduz em um modelo empresarial no qual a atividade é facilitada por plataformas colaborativas, criando um nicho de mercado que possibilita a utilização temporária de bens e serviços, muitas vezes prestados por particulares.

A expansão das plataformas digitais é avassaladora e em menos de uma década foram criadas centenas de companhias responsáveis por gerar inúmeros empregos.

À míngua de uma legislação específica acerca deste tema, atualmente no Brasil existem apenas dois caminhos às demandas submetidas ao judiciário trabalhista: (i) reconhecer a autonomia desses prestadores de serviço e afastar o vínculo de emprego pretendido; ou (ii) reconhecer que se trata de uma relação de emprego e deferir o liame empregatício e os consectários legais.

Atualmente o desfecho dependerá da análise de cada caso concreto, mas pelo o que se tem percebido, de uma forma geral, há certa autonomia na prestação desses serviços, o que fez com que, nos casos julgados, até o presente momento pelo TST, fosse afastado o vínculo de emprego.

Em precedente da 4ª Turma/TST, restou demonstrada a "autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber¹".

Em outro caso², o Ministro Douglas Alencar Rodrigues, da 5ª Turma/TST, bem pronunciou que critérios antigos de relação trabalhista, como previstos na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, não se aplicam às novas relações que envolvem plataformas e aplicativos.

Em Portugal, existe um movimento para aprovar um estatuto de "presunção de laboralidade"³, no qual fica transferido às plataformas o ônus de provar que não existe vínculo de emprego com o trabalhador.

Trata-se de um critério que contribui para o aumento da litigiosidade, tendo em vista o elevado grau de subjetividade.

No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o PL 3748/20, que institui o regime de trabalho sob demanda, definido como aquele em que os clientes contratam a prestação de serviços diretamente com a plataforma de serviços sob demanda – os chamados aplicativos. A plataforma, por sua vez, apresenta proposta para execução dos serviços para um ou mais trabalhadores. O texto, em tramitação na Câmara dos Deputados, prevê as normas específicas para esse novo regime, que não se submeterá aos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, exceto nas partes dessa norma que tratam das convenções coletivas de trabalho e das multas e processos administrativos. A proposta tem três objetivos: determinar um nível de proteção social; assegurar um patamar remuneratório; e assegurar condições mínimas de trabalho, por meio de medidas para redução dos riscos à saúde e à segurança desses trabalhadores e ações para prevenção do assédio, da violência e da discriminação⁴.

Referida medida certamente traria maior segurança jurídica para as empresas e também para os trabalhadores, pois seria um critério balizador.

Estamos diante da ponta do iceberg de uma profunda mudança nas relações de trabalho. Não há como regular estas relações com os antigos conceitos de Direito do Trabalho, razão pela qual é necessária uma abertura para novos caminhos de regulamentação da realidade que se descortina. A gênese do Direito do Trabalho revela que sua origem se deu justamente para trazer novas categorias no Direito e foi fonte de inspiração para vários ramos. Chegou a hora de resgatar esta história e tradição, com a aplicação de novos conceitos a essas novas relações de trabalho.

Urge sofisticar o debate sobre vínculo de emprego, tendo em vista que as novas formas de trabalho não se amoldam à atual legislação, cuja ideia de trabalho subordinado foi construída sobre fatos, elementos e paradigmas baseados no trabalho industrial.

É preciso encontrar meios de conectar o Direito do Trabalho com os trabalhadores das plataformas digitais, dentro do contexto das mudanças fático sociais de um futuro que já começou.


Andréia Maria Roso
andreiaroso@mandaliti.com.br

 

1   Fonte: Agência Câmara de Notícias: https://www.camara.leg.br/noticias/675940-proposta-cria-regime-de-trabalho-sob-demanda-para-aplicativos-de-servicos/ Acesso em 31/08/2021.
2   RR - 1000123-89.2017.5.02.0038
3   A presunção de laboralidade já existe no art. 12ª do Código do Trabalho, que define 05 indícios que orientam esta presunção, permitindo saber se estamos diante de um empregado ou um autônomo.
4   Sessão de julgamento disponível: https://www.youtube.com/watch?v=SYdccBLg1BI&t=629s Acesso realizado em 31/08/2021.