O ano de 2024 ficou marcado pelo recorde de pedidos de recuperação judicial no Brasil, com projeções que apontam para mais de 2,2 mil processos ao final do período. Esse cenário, impulsionado pela alta das taxas de juros e pela dificuldade de acesso ao crédito — fatores que afetaram especialmente as pequenas e médias empresas —, abre espaço para uma análise voltada às perspectivas e desafios jurídicos para 2025.
Em 2024, o ambiente econômico pressionou o mundo corporativo de forma intensa. O aumento da taxa Selic, que deverá atingir 14,25% ao ano no primeiro trimestre de 2025, somado à dificuldade de acesso a crédito, impulsionou a utilização dos mecanismos de recuperação judicial e extrajudicial. Segundo estimativas atualizadas pela Serasa Experian, o volume de pedidos dobrou em comparação a 2023, o que coloca o cenário atual como um ponto de inflexão.
Apesar do recorde, os analistas apontam que para 2025 os números tendem a se estabilizar. Essa previsão se baseia na expectativa de que, mesmo diante dos desafios econômicos persistentes, as empresas ajustarão suas estratégias de gestão financeira e buscarão alternativas para evitar novos endividamentos exacerbados. Assim, a tendência é que, com a adoção de medidas preventivas e uma gestão mais robusta, o cenário de reestruturação não se agrave significativamente.
A continuidade dos pedidos de recuperação judicial impõe uma série de desafios jurídicos que serão fundamentais para 2025:
• Sobrecarga dos Tribunais: Com o aumento dos processos, os tribunais enfrentam o desafio de manter a celeridade processual sem comprometer a análise técnica e a segurança jurídica. A necessidade de modernização dos procedimentos e o uso de tecnologias que facilitem a gestão dos processos serão essenciais para evitar gargalos e atrasos.
• Especialização dos Profissionais do Direito: Advogados, consultores e juízes precisam aprofundar seus conhecimentos nas particularidades da recuperação judicial. A evolução do cenário exige uma abordagem mais especializada, que vá além dos tradicionais índices financeiros, considerando também a complexidade das operações e dos acordos realizados com os credores.
• Adequação Legislativa e Inovação Normativa: O ambiente jurídico também demanda reformas que modernizem o arcabouço legal. A adaptação das normas às realidades do mercado, permitindo maior flexibilidade e segurança nas negociações entre devedores e credores, é um dos postos-chaves para que a recuperação judicial seja efetiva e sustentável a longo prazo.
A dinâmica dos pedidos de recuperação judicial em 2024 revelou uma distribuição setorial que tende a se manter em 2025. Segundo os dados, o setor de serviços liderou os pedidos (40,5%), seguido pelo comércio (26,6%), setor primário (16,6%) e indústria (16,3%). Cada segmento enfrenta desafios específicos:
Setor de Serviços: A inflação e os custos operacionais elevados, aliados à queda no consumo, criam um ambiente de maior fragilidade, exigindo dos gestores a busca por eficiência e inovações para reduzir custos.
Comércio: O endividamento das famílias, a acirrada concorrência do comércio eletrônico e as dificuldades logísticas impõem a necessidade de revisão dos modelos de negócio e estratégias de financiamento.
Setor Primário e Indústria: Esses setores devem lidar com variáveis externas, como condições climáticas e oscilações no preço dos insumos, além de barreiras comerciais e desafios logísticos, que podem comprometer a estabilidade financeira das empresas.
Camila Crespi, advogada e especialista em reestruturação empresarial, enfatiza que a adoção de estratégias de gestão financeira rigorosas e a constante inovação serão determinantes para que as empresas se mantenham competitivas em um ambiente tão desafiador.
O cenário de recuperação judicial não se restringe às pequenas e médias empresas. Grandes companhias, como a Gol e a Americanas, têm protagonizado casos bilionários que ilustram os desafios e as oportunidades de reestruturação:
Gol: a companhia aérea, que adotou o Chapter 11 nos Estados Unidos, enfrenta uma dívida expressiva e utiliza a perspectiva de uma fusão com a Azul (AZUL4) para reestruturar seu modelo de negócio. Essa estratégia, que pode trazer ganhos de escala e maior eficiência, demonstra a importância das negociações com credores e da obtenção de linhas de crédito em um cenário de alta volatilidade.
Americanas: a varejista segue seu plano de recuperação judicial, apesar das inconsistências contábeis significativas reveladas dois anos atrás. O caso reforça a evolução da análise dos investidores, que agora buscam compreender a fundo as operações financeiras e os mecanismos de reestruturação utilizados pelas empresas.
Esses exemplos ressaltam a necessidade de uma abordagem jurídica e financeira integrada, que permita a transformação dos desafios em oportunidades para a sustentabilidade dos negócios.
À medida que avançamos para 2025, o panorama das recuperações judiciais no Brasil aponta para uma estabilidade relativa, mesmo diante de desafios persistentes. O cenário exige não apenas uma revisão estratégica por parte das empresas, mas também uma resposta inovadora e especializada dos operadores do direito. A modernização dos procedimentos judiciais, a especialização dos profissionais e a adaptação do arcabouço legal serão fundamentais para transformar as dificuldades econômicas em oportunidades de reestruturação e crescimento sustentável.
Texto por:
Jean Carlos Pedroso da Silva Francisco - Coordenador Jurídico (Recuperação de Crédito)
jeanfrancisco@mandaliti.com.br