Apesar de contratos instrumentalizados por “pedaços de papel” serem a forma mais palpável de formalizar um negócio jurídico, nem sempre as obrigações estabelecidas no contrato são efetivamente cumpridas por uma parte ou por ambas. No entanto, os atuais – e largamente difundidos – contratos inteligentes ou smart contracts, guiados pela tecnologia da blockchain em substituição ao obsoleto pedaço de papel, buscam conferir maior segurança no cumprimento das obrigações contratuais, mediante a sua auto exequibilidade.

Mas para entender – realmente – em que consistem os smart contracts, é necessário compreender, primeiro, a tecnologia blockchain.


O que é blockchain?

Blockchain (“cadeia de blocos”) foi definida pela primeira vez no código fonte da criptomoeda bitcoin. De forma bastante resumida, podemos estabelecer, por definição livre, que a blockchain é um conjunto de “blocos virtuais” que contém dados compartilhados, os quais armazenam registros criptografados e imutáveis das transações processadas pelos seus usuários.

Didaticamente ilustra-se abaixo uma transação dentro do “universo” blockchain.

Imaginemos que “A” vende determinado bem para “B”. Referida transferência é devidamente registrada na blockchain dentro de um bloco de informação. Esse bloco, assim que fica cheio de transações/informações, é “selado”, ganhando uma espécie de carimbo com data e hora, chamado de timestamp, e é “empacotado” com um identificador, chamado de hash.

O usuário “B”, assim que recebeu o bem, passou este bem para “C”, e essa transferência foi colocada em um novo bloco criado na sequência do anterior. Esse bloco também vai receber um identificador próprio, mas com um detalhe: ele tem um “pedaço” daquele que foi gerado anteriormente na transação entre “A” e “B” (daí o “encadeamento dos blocos”).

O grande diferencial desta tecnologia, além da imutabilidade das informações registradas e atreladas a seu respectivo código hash, é a sua descentralização, ou seja, não há um órgão controlador destes dados, sendo os usuários os próprios certificadores da veracidade gravada e ajustada nesses blocos de dados e informações.

Segundo Maria Edelvacy Pinto Marinho e Gustavo Ferreira Ribeiro, a tecnologia de blockchain pode ser conceituada como um sistema de banco de dados distribuídos, que funciona como um instrumento de registro que permite a transferência de valores/informações, sem a existência de uma autoridade central de validação. Essa validação é feita de maneira compartilhada e descentralizada por meio de uma rede peer-to-peer (1). É como se os dados do livro-caixa da empresa fossem gravados, tivessem sua origem e conteúdo confirmados em vários computadores em rede, de maneira quase simultânea, e, uma vez introduzidos, tais dados não pudessem ser mais alterados por uma parte e o acesso ao seu conteúdo estivesse à disposição de todos os membros da rede (2).

Ou seja, a tecnologia blockchain se apresenta como uma solução ágil e confiável para transacionar, seja valores ou informações, de forma econômica e célere.

 

Contratos inteligentes (smart contracts)

Após entendermos o conceito da tecnologia blockchain, passamos a analisar como se dariam os negócios jurídicos, ou seja, os contratos firmados usando estes registros de dados criptografados. Os chamados smart contracts, ou na tradução, “contratos inteligentes”, têm o mesmo conceito dos conhecidos contratos de papel. A diferença é que os smart contract são “autoexecutáveis”.

Os contratos inteligentes são praticamente uma extensão da blockchain, na medida que são considerados como uma descentralização das transações.

Grande parte dos problemas contratuais surgem da ausência de cumprimento das obrigações acordadas. Quase sempre, torna-se uma tarefa extremamente estressante e custosa obter a satisfação da obrigação contratada. Concluindo, muitos desses contratos (por exemplo, aqueles advindos das relações de consumo) são levados ao judiciário para resolução do conflito.

Agora, imaginemos se tais contratos fossem “autoexecutáveis”, como os smart contracts, registrados e gravados pela blockchain. A simples inexecução da obrigação de uma das partes levaria automaticamente ao cancelamento do mesmo. Isso porque tudo o que foi acordado ou contratado está gravado nos blocos de dados criptografados da exata forma que deveria ser cumprido. Os deveres e as obrigações de ambas as partes. É como um pacta sunt servanda 2.0. Se assim foi acordado, assim será cumprido.

Todos os dados gravados, ou seja, os termos do contrato, estão estabelecidos de acordo com a lei. Assim, praticamente não há brechas para mediações desnecessárias ou interpretações diversas daquelas estabelecidas na lei, e que foram base para o desenvolvimento e execução do contrato inteligente.

Por fim, outra grande vantagem diferencial é que os contratos inteligentes guardam consigo princípios essenciais do Direito, principalmente aqueles ligados à intimidade e privacidade, já que não há necessidade de intervenção de terceiros para o fiel cumprimento. Assim, estes contratos representam tanto o avanço nos cumprimentos obrigacionais das partes (negócio jurídico), como também no que diz respeito à proteção dos dados pessoais.


Erick Medeiros
erickmedeiros@mandaliti.com.br

(1) Peer-to-peer ou P2P é uma arquitetura de redes de computadores onde cada um dos pontos ou nós da rede funciona tanto como cliente quanto como servidor, permitindo compartilhamentos de serviços e dados sem a necessidade de um servidor central.
(2) REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICAS PÚBLICAS.A reconstrução da jurisdição pelo espaço digital: redes sociais, blockchain e criptomoedas como propulsores da mudança. Ano 2017, p.151.