Estamos vivenciando um fato com características inéditas no Brasil e no mundo, qualificado pelas circunstâncias e acontecimentos inesperados atrelados à pandemia do novo coronavírus (Covid-19). O aumento abrupto de pessoas infectadas pelo vírus, além de caracterizar grave situação para a saúde das pessoas, também tem causado instabilidade econômica e repercussões nas relações jurídicas contratuais.

Como uma das medidas de prevenção à transmissão da doença há a recomendação do denominado isolamento social, fazendo com que as pessoas evitem a circulação pelas ruas e, por via de consequência, influencia de modo que a economia também não circule. Assim, varejistas (grandes e pequenos), profissionais liberais, enfim, empreendedores em geral, deixam de faturar, gerando impacto negativo para os trabalhadores.

As repercussões jurídicas, especificamente nas relações contratuais, são significativas, pois na medida em que a questão se agrava e se torna particularmente ameaçadora para as partes em uma relação contratual dentro de um estado de anormalidade e crise, muitas vezes não previstas em cláusulas contratuais, acaba implicando dúvidas e insegurança no campo das obrigações.

Desta forma, a relação jurídica contratual torna-se ainda mais complexa diante da elaboração de um emaranhado de conjunto de leis, em sentido lato, como forma de instrumentalização das relações jurídicas emergenciais, de maneira a produzir rápidas reações do Estado para fazer frente ao reconhecimento formal do estado de calamidade pública no território brasileiro.

Assim, Leis e Decretos Federais, Portarias, Medidas Provisórias, além de vários projetos de leis em andamento no Congresso Nacional, fazem com que surjam inúmeras questões relacionadas aos efeitos jurídicos durante o período de pandemia, considerando ainda a presença do caso fortuito ou força maior em nossa legislação civil, bem como disposição sobre a “teoria da imprevisão” e da “onerosidade excessiva”, aplicáveis a acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, nos quais se busca alicerce para discussão das responsabilidades e revisão contratuais.

Pode-se dizer que haverá necessidade de extrema atenção às relações jurídicas formadas ou reformadas nesse período excepcional, seja por meio de revisão contratual amigável ou judicial, especialmente nesta última, na medida em que todas essas alterações nas relações jurídicas se projetam para um futuro certo e indeterminado.

Em outras palavras, as relações jurídicas, seja por contrato ou por meio de uma tutela de urgência deferida pelo Poder Judiciário, tem por escopo atender necessidades transitórias, perdurando por todo o período considerado excepcional em razão da COVID-19. Este é o preceito do Artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB): “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”.

Eis a razão da necessidade de um controle rígido das relações e decisões formadas durante a pandemia, de modo a evitar que os efeitos irradiados neste período de situação excepcional não se misturem com as situações anteriores e posteriores a pandemia, posto que, nos termos do Artigo 6º, também da LINDB, considera-se o ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Portanto, atenção.

A título de exemplo de uma convivência conjunta, podemos citar o que ocorre com os planos de saúde que hoje convivem com os planos antigos, novos e antigos adaptados. Os planos antigos são aqueles comercializados até dezembro de 1998, anteriores à lei 9.656/98; os adaptados são planos antigos adequados às regras da lei 9.656/98 e às normas da ANS, e os novos são aqueles que surgiram a partir de 2 janeiro de 1999 e estão sujeitos à já citada lei 9.656/98 e às normas da ANS. Isso em uma situação de normalidade social.

Portanto, pode-se prever o futuro das relações jurídicas iguais, porém, reguladas pelas leis (sentido lato) antes, durante e depois da pandemia, razão pela qual a gestão e controle temporal dos contratos serão fundamental para preservação de direitos e, eventualmente, alegações e defesa em juízo.

Marco Aurélio F. Yamada
marcoyamada@mandaliti.com.br