Em um estado democrático de direito, como o nosso, ninguém é obrigado a nada senão em virtude de lei (art. 5, II CF). E tal garantia tem sentido amplo, por considerar não só a lei propriamente dita, mas os demais ditames normativos, como por exemplo, decreto, medida provisória, resolução, ato normativo, dentre outros.

Não obstante, para que haja sintonia entre todas as leis (em sentido amplo) há uma organização hierárquica entre elas, sendo certo que essa organização hierárquica parte da premissa que a lei de menor grau deve estar em consonância com a de maior grau (Pirâmide de Hans Kelsen). Diante disso, é certo que as normas internas do Poder Judiciário (regulamentos internos, resoluções, atos normativos, etc.) fazem parte da organização hierárquica mencionada.

Pois bem, o PJE-CALC, regulamentado pela Resolução nº 185/2017 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), é uma plataforma de cálculos utilizada na Justiça do Trabalho para cálculo das decisões emanadas por esta Justiça especializada, e foi desenvolvida para padronizar os cálculos dos processos trabalhistas que correm no Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe).

No entanto, algumas partes, sobretudo Reclamados, que são os devedores na maioria dos processos trabalhistas, são receosos em relação ao referido sistema de cálculo, por entenderem que esse sistema “engessa” a realização de cálculo, já que contêm parâmetros que impedem o manejo detalhado pelo usuário, prejudicando a apuração da liquidação.

Porém, se outrora havia obrigatoriedade na utilização deste sistema de cálculos pelas partes do processo, os usuários (partes no processo) passaram a contar com o fim de tal obrigatoriedade, o que ocorreu por meio do Ato Normativo nº 146/2020 do CSJT, posteriormente referendado pela Resolução 284/2021 do mesmo Conselho. Esta alteração foi motivada pela preocupação das entidades representativas da advocacia, em relação à utilização compulsória do PJe-Calc pelos usuários externos, e ainda, pelo estado pandêmico (SARS COVID) que assolou a sociedade.

Ocorre que, tais alterações normativas não foram acompanhadas por alguns juízes, o que, aliado ao fato de alguns Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) possuírem normas próprias corroborando as determinações originais da Resolução nº 185/2017 do CSJT, resultam em determinações judiciais ilegais, obrigando as partes a realizarem os cálculos dos processos pelo sistema Pje-Calc.

Exemplo disso, é o despacho de um juízo do âmbito do TRT da 7ª Região, por meio do qual, no final de 2021, determinou a realização de cálculo de liquidação com base na Resolução nº 269/2017 daquele Tribunal, que por sua vez, inseriu o artigo 17-A na Resolução nº 188/2016 do TRT7, fixando a compulsoriedade de elaboração de cálculos pelo PJe-Calc:

“Pelo presente expediente, fica(m) a(s) parte(s), [...], por meio de seu(sua)(s) advogado(a)(s), notificado(a)(s) para impugnação fundamentada dos cálculos apresentados pela reclamante, [...] devendo observar as regras da Resolução 269/2017 do E. TRT7, na hipótese de apresentação de cálculos anexos à impugnação.” (destacamos)

Existe, no caso exemplificado, determinação judicial em total desconformidade com a redação atual do artigo 22 da Resolução nº 187 do CSJT, que, como já comentado, foi alterado pelo Ato Normativo nº 146/2020, e referendado pela Resolução nº 284/2021, abolindo a obrigatoriedade de elaboração de cálculos através do PJe-Calc pelos usuários externos do PJE da Justiça Laboral. São os incisos 6º e 7º do artigo 22 da Resolução nº 187 do CSJT:

“§ 6º Os cálculos de liquidação de sentença iniciada a partir de 1º de janeiro de 2021, apresentados por usuários internos e peritos designados pelo juiz, deverão ser juntados obrigatoriamente em PDF e com o arquivo “pjc” exportado pelo PJe-Calc. (Redação dada pela Resolução CSJT n. 284, de 26 de fevereiro de 2021)

§ 7º Os cálculos juntados pelos demais usuários externos deverão ser apresentados em PDF e, a critério dos interessados, preferencialmente acompanhados do arquivo “pjc” exportado pelo PJe-Calc. (Incluído pela Resolução CSJT n. 284, de 26 de fevereiro de 2021) (grifamos)

E para não restar dúvidas sobre a diferença entre usuário interno e externo, veja-se o artigo 2º da própria Resolução 185/2017:

“Art. 2º Para o disposto nesta Resolução, considera-se que:
[...]
III – “Usuários externos” do PJe são as partes, estagiários e membros da Advocacia e do Ministério Público, defensores públicos, peritos, leiloeiros, as sociedades de advogados, os terceiros intervenientes e outros auxiliares da justiça; e

IV – “Usuários internos” do PJe são os magistrados e servidores da Justiça do Trabalho, bem como outros a que se reconhecer acesso às funcionalidades internas do Sistema, tais como estagiários e prestadores de serviço.”

Com base nisso, considerando o princípio da legalidade referenciado no início, e a hierarquia das normas legais, onde a Resolução nº 187 do CSJT se sobrepõe às normas criadas pelos TRTs, é inequívoco que ordens judiciais como esta, são ilegais e abusivas, já que nenhum Reclamado, Reclamante ou qualquer outro usuário externo do Poder Judiciário, é obrigado a liquidar o processo trabalhista pelo PJe-Calc.

Ante o exposto, qualquer ordem judicial que determine que as partes elaborem cálculo de liquidação pelo PJe-Calc, pode ser combatida pela parte que optar pela elaboração do cálculo de liquidação em plataforma diversa, devendo esta, demonstrar ao juízo a ilegalidade da determinação judicial, e os fundamentos legais que asseguram a elaboração de cálculo por meio de outra plataforma, e suscitar, posteriormente, em sede recursal, se necessário, a nulidade da fase de liquidação, por cerceamento de defesa e violação do princípio do devido processo legal.

Isaque Mozer Nogueira
Advogado Trabalhista
isaquenogueira@jbmlaw.com.br