Foi publicada no dia 30/08/2023 a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 5322, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes - CNTT, questionando a Lei 13.103/2015, conhecida como Lei dos Caminhoneiros. Nos termos do voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, o STF declarou inconstitucionais 11 artigos da lei.

O STF analisou o disposto no § 3º do art. 235-C da CLT e no § 3º do art. 67-C do CTB, ambos com redação pela Lei dos Caminhoneiros, que possibilitava o fracionamento do descanso interjornada, desde que observado o período mínimo de 8 horas consecutivas.

As normas do art. 6º da Lei dos Caminhoneiros permitiam que a) o motorista profissional, nas viagens de longa distância com duração superior a 7 dias, usufruísse descanso semanal por ocasião do retorno à matriz ou filial, salvo se a empresa oferecesse condições adequadas para o efetivo gozo do referido repouso; b) o fracionamento do descanso semanal em 2 períodos, sendo um deles por, no mínimo, 30 horas ininterruptas; e c) o acúmulo de descanso semanal por, no máximo, 3 descansos consecutivos. De acordo com o STF, essa flexibilização representa diminuição na tutela de direito social indisponível, na medida em que o preceito constitucional disposto no inciso XV do art. 7º versa sobre matéria diretamente relacionada à dignidade e saúde do trabalhador.

Em suma, o STF vetou a divisão do período de descanso, com mínimo de 8 horas seguidas. Decidiu que o descanso, dentro do período de 24 horas, deve ser de no mínimo 11 horas. Vetou a coincidência do descanso com a parada obrigatória na condução do veículo. Decidiu que nas viagens com duração superior a 7 dias, o repouso semanal será de 24 horas por semana ou fração trabalhada, sem prejuízo ao repouso diário de 11 horas, somando 35 horas de descanso. Invalidou trecho da lei que permitia ao motorista usufruir do repouso no retorno à empresa ou à residência. Proibiu o fracionamento do repouso semanal em dois períodos, sendo um mínimo de 30 horas seguidas, a serem usufruídos no retorno de uma viagem de longa duração. Barrou a previsão de acumular descansos semanais em viagens de longa distância.

O STF analisou a redação do § 8º do art. 235-C da CLT conferida pela Lei dos Caminhoneiros, segundo a qual o período despendido pelo motorista profissional, quando estivesse aguardando a carga ou descarga do veículo, ou fiscalização da mercadoria, não deveria ser computado na jornada diária de trabalho, sendo considerado como “tempo de espera”. Segundo o STF, esse tempo deve ser considerado como trabalho efetivo, pois o motorista está à disposição do empregador durante o carregamento/descarregamento de mercadorias, ou durante fiscalização em barreiras fiscais ou alfandegárias. Além de causar efetivo prejuízo ao trabalhador, tanto físico quanto mental, também desvirtua a relação jurídica trabalhista existente, uma vez que a norma prevê uma hipótese de divisão dos riscos da atividade econômica entre empregador e empregado.

Quanto ao disposto no §9º do art. 235-C da CLT, a norma previa que o tempo de espera seria indenizado na “proporção de 30% do salário-hora normal”. Entretanto, segundo o STF, a retribuição devida por força do contrato de trabalho ao empregado não pode se dar em forma de “indenização”, pois o efetivo serviço de trabalho tem natureza salarial.

Decidiu o STF que o tempo de espera para carregar e descarregar o caminhão e o período para fiscalizar a mercadoria em barreiras passam a ser contados na jornada de trabalho e nas horas extras. Derrubou previsão de deixar de fora da jornada de trabalho as movimentações do caminhão feitas durante o tempo de espera.

A Lei dos Caminhoneiros também previa a possibilidade de o motorista profissional, nos casos em que o empregador adotasse dois motoristas trabalhando no mesmo veículo, desfrutasse o tempo de repouso com o veículo em movimento. O dispositivo assegurava ao motorista, a cada 72 horas, o repouso mínimo de 6 horas consecutivas fora do veículo em alojamento externo ou, se na cabine leito, com o veículo estacionado. No entanto, de acordo com o STF, esta norma contraria o estabelecido pela Constituição Federal no tocante à segurança e saúde do trabalhador, pois, não há o devido descanso do trabalhador em um veículo em movimento.

O STF declarou, nas viagens longas em que o empregador contrata dois motoristas, inconstitucional contabilizar o tempo de descanso de um dos profissionais com o caminhão em movimento, com repouso mínimo de 6 horas em alojamento ou na cabine leito com o veículo estacionado, a cada 72 horas. No caso de transporte de passageiros com dois motoristas, como ônibus, a Corte derrubou a permissão ao descanso de um dos profissionais com o veículo em movimento, assegurando após 72 horas o repouso em alojamento externo ou em poltrona leito com o veículo estacionado.

Apesar do pedido expresso nos autos pelo Congresso Nacional, destaca-se que o STF não modulou os efeitos da decisão, ou seja, não restringiu a eficácia temporal de forma que passe a ter exclusivamente efeitos para o futuro.

Com o devido acatamento, entendemos que a não modulação dos efeitos pelo STF gerou “efeito surpresa”, contrariando o princípio constitucional da segurança jurídica e violando a confiança legítima dos cidadãos, que deve ser resguardada em face dos conteúdos de certas decisões judiciais de cortes de superposição, buscando-se o equilíbrio para não frustrar a proporcionalidade.


André Issa Gândara Vieira
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Andréia Maria Roso
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Régis Benante Ribeiro
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