Ante os efeitos avassaladores da pandemia causada pelo coronavírus, tanto na sociedade como na economia mundial, efeitos estes que perduram no Brasil desde meados de fevereiro de 2020, sem dúvida o modelo híbrido de trabalho, com colaboradores em parte do tempo trabalhando no formato presencial e outra parte do tempo à distância, parece ser uma tendência que poderá mudar radicalmente as estruturas e políticas empresariais. 

Conforme pesquisa feita pela consultoria global Great Place to Work (2021), com 2.008 pessoas entrevistadas, apurou-se que 30,2% dos entrevistados sinalizam que as empresas nas quais trabalham já adotaram novo formato de trabalho, sendo que, dentre esses, 77,7% adotarão o modelo híbrido no pós-pandemia. Ainda de acordo com o mesmo levantamento, atualmente, 46,8% dos respondentes estão em uma organização que já adotou o modelo híbrido, enquanto 37,1% estão totalmente remotos e os demais entrevistados permanecem no modelo presencial.

Este modelo híbrido de trabalho, no entanto, pode apresentar potenciais riscos trabalhistas para os empregadores que ignorem algumas diretrizes legais essenciais. Com efeito, o primeiro ponto de atenção é que as leis trabalhistas brasileiras não autorizam o modelo híbrido de forma expressa, ou seja, atualmente a legislação regulamenta apenas o trabalho presencial e o teletrabalho, este mundialmente conhecido como home office.

Nesta linha, a insegurança jurídica para implementação do trabalho híbrido torna-se evidente, sendo comum alguns temas não receberem respostas definitivas pela comunidade jurídica em decorrência da mencionada lacuna legislativa, tais como o controle da jornada de trabalho, a questão do fornecimento de equipamentos tecnológicos e itens básicos de infraestrutura (como internet e mobiliário adequado) para desenvolvimento do trabalho nos períodos em casa. Outras questões relevantes também integram o rol de pendências sem a devida regulamentação específica, tais como a forma de garantir condições ergonômicas pelo trabalho fora das instalações da empresa, bem como os limites da responsabilidade do empregador em casos de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais decorrentes do trabalho na residência do empregado.

Não obstante este rol de itens seja crítico para o empregador, uma forma de se encontrar solução juridicamente adequada parte das alterações trazidas na CLT pela Reforma Trabalhista, que dispõe que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando dispuserem, dentre outros, a respeito da jornada de trabalho, modalidade do registro de jornada e teletrabalho. Dessa forma, uma alternativa atualmente viável para mitigar riscos relacionados com o regime de trabalho híbrido é a negociação coletiva, com disposição de cláusulas específicas que tratem da adoção do modelo híbrido de trabalho.

Outra alternativa para viabilizar o trabalho híbrido, ainda em sede de negociação e agora de forma individual, também foi trazida pela Reforma Trabalhista e é aplicável para os empregados portadores de diploma de nível superior e que percebem salário mensal igual ou superior a R$ 14.174,44 (valor condizente a duas vezes o atual limite de benefícios do Regime Geral de Previdência Social), considerando que a CLT permite acordos individuais, com privilégio da autonomia da vontade das partes, especificamente para estes trabalhadores tratados pelos autores da área jurídica como “hiperssuficientes”, ou seja, trabalhadores que possuem condições mais favoráveis em relação a maioria, tanto pelo grau de instrução quanto pela remuneração, de negociação com os empregadores, não necessitando de intervenção direta dos sindicatos.

Questão relevante que também passa pela adesão do trabalho híbrido é o controle de jornada. Algumas empresas, para diminuir o risco de horas extras, optam pelo controle de jornada tanto na residência do empregado, quanto nas dependências do empregador, sendo que algumas alternativas são a estipulação de banco de horas e/ou a adoção de sistemas alternativos de controle da jornada de trabalho para os dias de trabalho em casa, desde que estes controles alternativos sejam previamente autorizados por convenção ou acordo coletivo de trabalho. Para empresas que optem por não realizar o controle de jornada, uma vez que o teletrabalho é uma exceção ao controle, conforme expressamente define a CLT, necessário que o trabalho seja preponderantemente fora das dependências do empregador, ou seja: mais dias da semana fora do que dentro da empresa. Nesses casos, ainda, deve haver acordo escrito e nenhuma ingerência do empregador nos honorários do empregado, inclusive nos dias em que este compareça presencialmente.

Em relação à responsabilidade pelos custos relativos ao teletrabalho parcial, os empregadores deverão analisar a forma como será implantado o regime híbrido. Assim, caso o trabalho híbrido seja uma opção do empregado por sua conveniência (podendo optar pelo trabalho em casa ou na empresa), não se mostra razoável exigir do empregador o fornecimento de equipamentos e infraestrutura, tendo em vista que esses equipamentos de trabalho já devem preexistir nas instalações do empregador. De outra sorte, caso o regime híbrido de trabalho esteja aderente a uma política do empregador, o trabalhador pode requerer que eventuais custos adicionais para adaptação da residência sejam arcados pelo empregador, sempre mediante negociação entre as partes e com expressa previsão em contrato.

Ante o exposto, diante das claras lacunas da lei sobre o trabalho híbrido, a análise da realidade e necessidade de cada empresa será essencial para adaptação do modelo adequado, sendo crucial, qualquer que seja a tomada de decisão, que haja formalização e transparência no tocante às regras que serão adotadas, tanto em contrato ou aditivo ao contrato de trabalho, quanto em detalhada política interna.

André Issa Gândara Vieira
Gerente Jurídico Trabalhista
andrevieira@mandaliti.com.br